O Parlamento português (que, com excepção do CDS, não aprovou um voto de pesar pelo massacre por parte da Polícia de dezenas de angolanos em Cafunfo) pediu à Assembleia Parlamentar da CPLP que “procure recolher informação rigorosa” sobre os actos recentes de “intimidação e violência” contra jornalistas na Guiné-Bissau e que faça chegar esta preocupação ao Presidente do Parlamento guineense. Se a hipocrisia matasse…
“Face às notícias que dão conta de actos de intimidação e violência contra jornalistas na Guiné-Bissau e os apelos das organizações da sociedade civil a que a comunidade internacional ajude a devolver o clima de paz e segurança” no país, a delegação do Parlamento português à Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa pede a esta que “procure recolher informação rigorosa sobre o que está efectivamente a acontecer”, de acordo com uma carta a que a Lusa teve acesso.
A missiva, assinada pelo deputado socialista Porfírio Silva, pede ainda à Assembleia Parlamentar da CPLP que “manifeste a sua preocupação, no caso das notícias se revelarem como verdadeiras”.
As notícias a que se refere o Parlamento português dizem respeito a dois eventos separados, o primeiro ocorrido em 8 de Março, quando o bloguista guineense Aly Silva foi sequestrado e espancado no centro de Bissau, tendo depois sido abandonado nos arredores da cidade, um caso denunciado pela Liga Guineense dos Direitos Humanos.
Na sexta-feira, dia 12, um outro jornalista guineense foi espancado pelas forças de segurança, quando fazia a cobertura da chegada ao país de Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e ex-secretário executivo da CPLP.
Em entrevista à Lusa, Aly Silva denunciou que foi agredido a mando de “pessoas ligadas ao poder”, associando-as directamente ao Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló.
O chefe de Estado guineense recusou, entretanto, qualquer responsabilidade ou envolvimento no ataque e prometeu que a justiça vai procurar e castigar os autores do acto.
As organizações da sociedade civil têm denunciado diversas violações dos direitos humanos contra activistas, políticos, deputados e jornalistas e órgãos de comunicação social.
Um dos casos mais recentes foi o de dois activistas políticos do Movimento para a Alternância Democrática (Madem G15), segunda força política do país e que integra a coligação no Governo, que denunciaram publicamente terem sido espancados alegadamente por guardas da Presidência guineense, dentro do Palácio Presidencial, um caso a que o Ministério Público guineense ainda não deu seguimento, de acordo com a Liga dos Direitos Humanos.
A Presidência da Guiné-Bissau repudiou através de um comunicado esta quinta-feira o que considera serem “falsas informações veiculadas pelos órgãos de comunicação social” que envolvem o chefe de Estado, nomeadamente as alegadas ameaças dirigidas a um deputado guineense, Marciano Indi, e contra jornalistas.
Umaro Sissoco Embaló, segundo o mesmo texto, está “comprometido com a liberdade de expressão na Guiné-Bissau” e “condena quaisquer actos de violência e de atentados à liberdade e direitos humanos de qualquer cidadão”.
“O Presidente da República instruiu pessoalmente as autoridades competentes a investigarem exaustivamente os ataques”, refere-se no comunicado.
Recorde-se, como o Folha 8 noticiou no dia 18 de Fevereiro, que a deputada socialista portuguesa no Parlamento Europeu, Isabel Santos, questionou a posição de Bruxelas sobre a defesa dos direitos humanos em Angola, perante “actos recentes” (assassinatos em Cafunfo), em questões enviadas ao Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell.
Nas considerações prévias às questões que Isabel Santos deixou ao Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e à Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia, a eurodeputada assinada que, “ao abrigo do cumprimento do estado de emergência, há relatos preocupantes de episódios em que a acção policial redundou em mortes de civis”.
O “recurso à força excessiva, desproporcional e letal pelas forças de segurança fragiliza (…) o quadro dos direitos humanos em Angola”, pelo que a socialista perguntou a Josep Borrel “qual é a posição da delegação da UE em Angola – nomeadamente na defesa dos direitos humanos – perante a forma como estes actos recentes se têm vindo a desenvolver”.
Isabel Santos não esclareceu sobre a que “actos recentes” se referia, mas Angola foi notícia internacional pelos assassinatos no passado dia 30 de Janeiro na vila mineira de Cafunfo, na província da Lunda Norte, palco de incidentes entre a polícia e populares de que resultaram um número indeterminado de mortos e feridos.
Nesse dia, o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentou levar por diante uma manifestação para assinalar o aniversário do reconhecimento internacional de tratados de protectorado português da Lunda, assinados no final do século 19, que não tinha sido autorizada com o argumento das medidas restritivas impostas pelo combate à propagação da pandemia da Covid-19.
A eurodeputada pretende ainda saber “a que conclusões se chegou e que medidas concretas foram acordadas no âmbito do último encontro anual entre o Ministério da Justiça de Angola e a delegação da UE, de 17 de Novembro de 2020”.
Isabel Santos considera que “a mudança de liderança política em Angola em 2017, com a substituição de José Eduardo dos Santos por João Lourenço, não conseguiu, até à data, cumprir com as expectativas de reforma profunda que o país necessitava e o povo ansiava, depois de quase 40 anos de governação autocrática”.
“Pelo contrário”, argumenta ainda a eurodeputada. “Manteve-se a tipologia do sistema político e a ambiguidade constitucional que o caracteriza. Manteve-se também a crise económica e os abusos entre poderosos que colocam o país no fundo dos índices de referência a nível global”, afirma.
O Executivo angolano recorre ao velho, falacioso e perigoso argumento xenófobo de “intervenção de forças estrangeiras”. Os Estrangeiros que se conhecem em Cafunfo são os que foram “agraciados”, pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), com cartões de eleitor, para votar a favor do MPLA e do seu cabeça- de-lista. Curiosamente os mesmos estrangeiros que têm merecido a protecção das autoridades, nas suas actividades de garimpo. Enquanto isso, a Polícia Nacional expulsa das suas próprias lavras, em todo o território das Lundas, os camponeses e os aldeões nativos e indefesos. Não é sem propósito que se pretende agora transformar o cartão eleitoral em veículo de aquisição da nacionalidade!
Folha 8 com Lusa